NA VERDADE JÁ SE FAZIA ANTES DE O MPLA COMPRAR ANGOLA

Apesar do turismo florescente nas vizinhas Namíbia e Zâmbia, Angola continua fora dos roteiros internacionais, travada pela falta de acessos e de infra-estruturas, mas com um potencial que desperta o interesse dos mais aventureiros.

Natureza em estado bruto, tradições intactas e uma vida selvagem que poucos sabem existir são as recompensas dos turistas da “picada” que, de mãos firmes no volante, se lançam em aventuras na vastidão do leste angolano onde o tempo corre devagar e as estradas se transformam em pó.

A Lusa juntou-se a uma caravana de sete veículos todo-o-terreno organizada pelo Clube Overland Angola (COA) e com apoio logístico da Prolog, em 20 dias de viagem através de sete províncias, avançando por regiões inóspitas e trilhos pouco percorridos, num percurso de 3.500 quilómetros entre Luanda e o chamado “Bico de Angola”, ponto em que o país toca as fronteiras da Namíbia e da Zâmbia.

“Diga-se que este é o ponto mais natural de Angola, onde temos mais vida selvagem, onde conseguimos encontrar todos os tipos de animais, e precisamente nesta data [agosto], devido às secas nos países vizinhos, os animais migram todos para a costa angolana e decidimos vir conhecer este local paradisíaco”, conta à Ricardo Matos, organizador da expedição e fundador do COA.

“É um facto que não se associa normalmente a Angola, a existência de vida selvagem, ao contrário do que acontece nas vizinhas Namíbia e Zâmbia”, mas o grupo encontrou muito mais do que esperava: “Muita gente dizia que não há muitos animais no sul de Angola, mas nós já encontrámos de tudo. Já encontrámos elefantes, uma manada enorme de búfalos, pacaças, nuces, encontramos aqui uma série de animais”.

Chegar até aqui exige resistência e paciência, confessa: “Os acessos são muito difíceis. Nós para chegarmos aqui fizemos cerca de 3.000 quilómetros, cerca de 1.200 de terra batida, areia. É muito complicado chegar aqui. Passamos dificuldades a nível de combustível, se não fosse as administrações locais, seria muito difícil nós conseguirmos fazer este percurso”.

O terreno exigente dificulta a vida aos viajantes com grande parte do percurso a ser feito em “areia muito fina” que obriga a deslocação em viaturas todo-o-terreno e grande perícia dos condutores.

“Isto não é para o condutor que se coloca nestes trilhos a primeira vez”, comenta Ricardo Matos, apontando também aspectos críticos como o atravessamento de florestas com “balizas” (espaço entre árvores) muito estreitas.

“É muito difícil. Apesar que o acesso está a começar a melhorar, nós demorámos cerca de 18 horas a chegar a Mavinga [desde Cuito Cuanavale, um percurso com cerca de 200 quilómetros]. Tivemos de dormir pelo caminho, como estão a preparar a estrada apanhámos troços cortados, depois também se levanta muita poeira”, acrescenta.

Quanto ao que reuniu as 16 pessoas que se juntaram na caravana foi sobretudo o “espírito” do “overland”, ou seja, viajar com meios próprios, o que Ricardo diz “facilitar um pouco a vida” em Angola, devido à escassez de infraestruturas.

“Nós temos todas as capacidades logísticas para conseguirmos viajar, acampar em qualquer local. Temos condições de cozinhar, por isso nós conseguimos estar independentes de qualquer estrutura, tirando o combustível”, realçou, alertando para a ausência de postos de abastecimento nestas regiões remotas.

Entre os aventureiros estava Mavova Kiala, membro do clube, que participou na viagem porque gosta de aventuras e expressou emoção à chegada ao “Bico de Angola”.

“Para quem tem espírito aventureiro como eu e todos os outros que vieram, isso é uma satisfação muito grande. Eu volto com muita alegria, por conhecer uma parte da Angola que é muito longe daquilo que é a nossa realidade, do local de onde viemos, que é Luanda. Isso significa muito para mim, conhecer um pouco a história da Angola”, conta.

A hospitalidade das populações e administrações locais também marcou a viagem, sem esquecer, claro, a “quantidade de animais” que encontrou.

“Eu, pela primeira vez, vi um elefante assim ‘in loco’. Ou seja, consegui estar perto de um elefante, vi búfalos, vários, hipopótamos. Conseguimos ver aqui uma variedade de animais que antes só tinha visto pela televisão”, celebra Mavova.

Na comparação com os países vizinhos, Angola só perde por causa dos acessos: “Eu acredito que tem muito a ver com os acessos aos pontos turísticos. Para chegarmos aqui foi uma viagem muito difícil. E isto acontece com muitos outros pontos turísticos a nível do país. Melhorando os acessos a esses pontos turísticos, acho que já vamos começar a ter mais turistas a visitarem Angola. Vamos ter mais pessoas curiosas a querer conhecer esses pontos turísticos”, diz com convicção.

Para Kiala Mavova, a principal dificuldade é a viagem em si: “Porque ao longo da viagem nós tivemos que fazer longos percursos durante a noite. Foram mais de 300 km de muita areia, muita picada, muito pó. Era conduzir com muito pó à frente, conduzir durante a noite toda, só para ganharmos algum tempo e conseguirmos cumprir o programa da atividade. Isso por si só foi muito cansativo”.

Há também que contar com os problemas dos carros, desde pneus furados, que obrigam a parar a caravana, mesmo durante a noite, às altas temperaturas da areia durante o dia que sobreaquecem os motores.

O abastecimento é outro dos desafios e, para Kiala, que conduzia um carro a gasolina, conseguir combustível foi ainda mais problemático: “nos municípios onde passamos, não há postos de abastecimento de combustível. Portanto, nós estamos a comprar combustível em vendedores clandestinos, que compram, por exemplo, em Menongue [capital da província do Cuango] e vêm vender aqui em bidons e um preço muito mais caro do que o preço oficial. Essa é a grande dificuldade que nós temos”.

Também o clima extremo da região implica alguma preparação. Ao longo do dia, as temperaturas podem chegar aos 38 e 40 graus, mas de noite o termómetro desce de forma acentuada, aumentando o desconforto de quem dorme em tendas.

“Durante o dia é muito calor e à noite temos frio. Temos temperaturas de 4 graus. É preciso vir bem preparado para o frio”, avisa Kiala.

O Governo angolano quer também promover o potencial da região e tem tentado dinamizar, através da Agência Nacional para a Gestão da Região do Okavango (ANAGERO), iniciativas como o Raid Okavango, realizado este ano pela segunda vez, para promover o turismo e a riqueza natural e cultural do país.

Mas, por agora, são os aventureiros — e não os turistas — que desafiam o pó e a imensidão inóspita em busca de liberdade e paisagens deslumbrantes.

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